PEC 32/2020 REFORMA ADMINISTRATIVA
CENÁRIO DE APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 32/2020
Apresentada no início de setembro de 2020, em meio a uma pandemia mundial, onde o número de mortos no mundo já ultrapassa 960.000, e no Brasil já chega a quase 140.000.
Há um evidente aprofundamento da crise econômica relacionado à pandemia, o que leva a redução de possibilidades de pressão social e mobilização contrários a proposta apresentada.
A proposta é apresentada em afronta ao que dispõe o texto constitucional no art. 60, que proíbe alterações na Constituição em tempo de funcionamento excepcional do Congresso, que é justamente o que ocorre nesse momento.
Fica claro assim que a lógica da PEC não é de reforma administrativa, mas uma mudança no papel do ESTADO, ou melhor, o objetivo é a inexistência do Estado, onde tudo será entregue à iniciativa privada.
QUAL A JUSTIFICATIVA DO GOVERNO PARA A REFORMA
A ideia defendida pelo Governo Federal é de que Estado custa muito, mas entrega pouco e por isso para garantir condições orçamentárias e financeiras para sua existência seria necessário reduzir custos, redução essa defendida a partir da argumentação mentirosa de que os custos de pessoal são excessivos, ou seja, defende-se a ideia de que o Brasil tem muitos servidores públicos; que esses servidores ganham muito e que ainda assim o serviço é prestado é ruim.
Ocorre que nem o Brasil tem muitos servidores públicos quando comparado a média dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nem esses servidores ganham muito, tampouco o serviço prestado é ruim.
E para chegar a tal conclusão basta analisar os dados disponíveis pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia, ou seja, na base de informações do próprio Governo se encontram informações diametralmente opostas às utilizadas para a defesa da suposta reforma administrativa.
O percentual de vínculos estaduais no setor público nacional se retraiu de 47,9%, em 1986, para 32,3%, em 2017, devido à expansão mais vigorosa dos vínculos municipais.
Por outro lado, a participação dos vínculos federais no total de vínculos públicos caiu de 18,1%, em 1986, para 10,4%, em 2017, também por conta da forte expansão dos vínculos no nível municipal.
Veja-se no gráfico abaixo, a participação do emprego público por nível federativo e na linha azul escura, que traduz os vínculos dos servidores públicos federais cai vertiginosamente entre os anos de 1950 a 1986, depois se mantém estável, não havendo um pico de elevação nas contratações, embora elas tenham ocorrido. Quando ocorreram, porém, no mesmo Atlas do Estado Brasileiro, nota-se que as contratações são proporcionais ao número maior de vínculos de trabalho na esfera privada.
Sugerimos que servidor ativo ou aposentado tire alguns minutos do dia para buscar informações disponíveis no site do Instituto: https://www.ipea.gov.br/atlasestado
https://www.ipea.gov.br/atlasestado/indicadores;
Outra fonte de pesquisa realista, não manipulada e que leva à conclusão oposta àquela que defende a extinção do Estado enquanto provedor da saúde, educação e bem estar social, é o site da Auditoria Cidadã: https://auditoriacidada.org.br/e-hora-de-virar-o-jogo/
Pois bem. Do material produzido pelo Ipea – Atlas do Estado Brasileiro – percebemos que a grande maioria dos serviços públicos é prestado pelos estados e municípios onde se concentram, portanto, o maior número de servidores.
De 1986 a 2017 os municípios ampliaram a participação de 34% para 57% do total de vínculos no setor público.
Passando a questão da renda, também é possível desmentir os dados que o Governo vem utilizando para defender a reforma administrativa, ou melhor, a destruição do Estado.
Do gráfico abaixo é possível concluir que 13,1% dos servidores públicos federais recebe a título de vencimento até R$ 2.500,00, 18%6 entre R$ 2.500,00 e R$ 5.000, ou seja, 31,7% da totalidade dos servidores públicos federais ganha até R$ 5.000,00 o que nem de longe se pode chamar de salário exorbitante.
De mais a mais, ao contrário do que afirma o Governo, não houve um aumento de 145% em 12 anos com folha de pessoal, ao contrário, se comparada a despesa com pagamento dos servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas em relação ao que estes valores consomem do PIB (Produto interno bruto) há uma redução nos valores gastos de 4,54% para 4,34%.
Por outro lado, se formos comparar o que o Estado Brasileiro gasta para pagar os juros da dívida pública com a despesa de pessoal (pagamento dos servidores ativos, aposentados e pensionistas), que ele afirma ser o grande gargalo das contas públicas, veremos mais uma vez o problema não está nas despesas realizadas com pagamento dos servidores públicos.
E quem são os maiores beneficiários do pagamento da dívida pública pelo Estado brasileiro? É o povo?
Não! Os principais beneficiários da dívida interna são os grandes bancos e investidores nacionais e estrangeiros e para constatar tal afirmativa basta verificar o gráfico abaixo produzido pela Auditoria Cidadã da Dívida:
QUAL SERIA O OBJETIVO DE UMA VERDADEIRA REFORMA ADMINISTRATIVA?
Organizar o Estado para que ele funcione melhor e assim atenda de forma ainda mais eficiente a população. Isso implica em fortalecimento da máquina pública: mais servidores, melhores condições de trabalho, mais investimento.
A PEC 32/2020 é o oposto disso porque ela está enfraquecendo o poder do Estado e entregando as ferramentas que ele tem para atender ao seu público – que é a população brasileira – para as empresas privadas.
Assim a ideia da PEC é claramente entregar as principais funções do Estado ao setor privado e isso não é reforma administrativa, mas uma mudança ideológica.
Essa proposta de mudança ideológica segue a linha das pessoas que a acreditam que o mercado, o setor privado, será capaz de dar uma resposta às demandas sociais, executando as tarefas que hoje lhe pertencem: saúde, educação, previdência social, entre outras tantas.
Um bom texto para reflexão sobre as consequências da reforma administrativa para a população também foi produzido por Vladimir Nepomuceno, acessível pelo link abaixo:
http://vladimirnepomuceno.com.br/32-as-consequencias-da-reforma-administrativa-para-a-sociedade
Mas em resumo, educação, pesquisa e saúde serão os mais atingidos e quem sofrerá as consequências seremos todos nós, já que não haverá controle pelo Poder Público sobre a qualidade do ensino oferecido, o tratamento dispensado às crianças do ensino infantil, o controle e qualidade da alimentação fornecida. Onde não há controle e diretriz traçada pelo Estado prevalece a lógica do maior ganho com a menor contrapartida.
Se essa situação de descontrole corrupção já acontecem hoje com tantos mecanismos de fiscalização, imagine-se num Estado voltado apenas a arrecadação dos tributos?
AS PALAVRAS CHAVES DA “REFORMA ADMINISTRATIVA” SÃO:
SUBSIDIARIEDADE: Estado fica apenas com os serviços que não interessem a iniciativa privada, dando margem ainda maior para terceirizações e privatizações, que passa a ter previsão expressa no texto constitucional com a inserção do art. 37-A:
Art. 37-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, na forma da lei, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.
DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO: seguindo na mesma linha do já efetivado com a reforma da previdência, a PEC 32/2020 permite que a política de pessoal do setor público ocorra mediante a edição de leis, não estando mais previstas as regras na Constituição da República, facilitando a aprovação de modificações das regras no Congresso. É mais fácil mudar a lei do que a Constituição.
RESUMO FINAL DA PEC
- Afeta os atuais servidores.
- Retira requisitos para admissão em empregos públicos.
- Fim da estabilidade para novos servidores (Art. 41).
- Regra geral de ingresso passará a ter 3 fases: Provas e títulos; Pelo menos um ano de experiência, com “avaliação”; Classificação final dentro do quantitativo previsto no edital.
- Somente cargos típicos de Estado (a serem definidos em lei – conceito da ditadura – Lei º 6.185/74), teriam estabilidade.
- Afeta o conceito de carreira.
- Transforma funções de confiança e cargos de comissão em cargos de liderança e assessoramento, retirando a exclusividade e percentuais mínimos atualmente previstos para servidores de carreira.
- Amplia o regramento geral para contratação por tempo determinado (greve, caráter temporário ou sazonal, por demanda).
- Vedação de qualquer outra atividade remunerada para cargo típico de Estado, exceto na docência, saúde (profissão regulamentada), sem limite quantitativo.
- Para os demais servidores permite apenas o acúmulo de cargos, se não houver conflito de interesses. Veda o exercício de emprego.
- Insere vedações: Férias superior a 30 dias; Adicional por tempo de serviço(extinto em 2001 para servidores federais) e por substituição; Aumento de remuneração ou indenização com efeito retroativo; Licenças prêmio(extinto em 1997 para servidores federais), assiduidade ou por tempo de serviço; Redução de jornada sem redução de remuneração; Aposentadoria compulsória como punição; Promoção por tempo de serviço; Indenizações sem lei; Incorporação de remuneração de cargos em comissão ou função (já inserido no art. 37, § 9º, pela EMC 103)
- Afastamentos e licenças retiram o direito a parcelas não permanentes.
- Permite a redução de jornada e remuneração (que o STF havia declarado inconstitucional ao julgar a ADI da LC 101).
- Cria o art. 37-A: Terceirização/Privatização de serviços públicos (“Cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados”):
- Lei federal vai estabelecer normas gerais;
- Única exceção para cargos típicos de Estado.
- Extinção do Regime Jurídico Único (art. 39):
- Lei complementar para normas gerais;
- Revoga os parâmetros gerais de fixação de vencimentos e sistema remuneratório;
- Exceções: Defensoria, Advocacia, Ministério Público e Magistratura.
- Revoga escolas de formação e aperfeiçoamento dos servidores;
- Afastamentos e licenças retiram o direito a parcelas não permanentes.
- Cria no Art. 39-A 5 tipos de vínculo (sem contar os precarizados do Art. 37-A): I – vínculo de experiência, como etapa de concurso público; II – vínculo por prazo determinado; III – cargo com vínculo por prazo indeterminado; IV – cargo típico de Estado; e V – cargo de liderança e assessoramento.
- A vinculação ao RPPS poderá ser limitada aos cargos típicos de Estado, mediante lei complementar, no prazo de 2 anos.
- Mesmo a estabilidade dos cargos típicos de Estado precisará de mais um ano após o vínculo de experiência, podendo ser demitido após decisão em 2ª instância ou órgão colegiado. A avaliação de desempenho não precisa ser por comissão.
- Congresso perde a competência para criação e extinção de Ministérios e órgãos.
- Permissão de Decreto para (sem aumento da despesa): Criação e extinção de Ministérios e órgãos; Extinção de cargos públicos efetivos vagos e cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão, cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente, ocupados ou vagos; Criação, fusão, transformação ou extinção de Ministérios e de órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República; Extinção, transformação e fusão de entidades da administração pública autárquica e fundacional; Transformação de cargos públicos efetivos vagos, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados; Alteração e reorganização de cargos públicos efetivos do Poder Executivo federal e suas atribuições.
PEC 32/2020 E O IMPACTO SOBRE OS ATUAIS SERVIDORES
- Demissão após decisão colegiada e não pelo trânsito em julgado;
- Avaliação de Desempenho não precisará mais de lei complementar;
- Fim da exclusividade da ocupação das funções comissionadas e da reserva de cargos em comissão;
- Cargos comissionados podem ser destituídos por motivação político partidária;
- Não há garantia de planos de carreira;
- Regra de transição para exceções ao art. 37, XXIII é inócua, pois basta alterar a lei;
- Permissão ampla para terceirização de serviços públicos;
- Permissão ampla ao Presidente para extinção, alteração e transformação de cargos, inclusive aqueles ocupados;
- Nas fases 2 e 3 virão as tabelas salariais, formas de progressão e de avaliação de desempenho.
PEC 32/2020 – IMPACTOS SOBRE EMPREGADOS PÚBLICOS
- Torna nula a concessão de estabilidade no emprego e de proteção contra a despedida por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo.
- Aposentadoria compulsória aos 75 anos, com extinção do vínculo;
- As vedações do art. 37, XXIII são extensíveis aos empregados públicos;
- Regra de transição inócua no art. 3º (Não aplicação das vedações do art. 37, XXIII, alíneas “a” a “j”, se houver lei);