Por um ativismo Negro e pelo fim da violência contra a mulher
Por Vanda Pinedo*
O novembro de lutas se consagra inicialmente com a luta contra o racismo, a partir da luta de Dandara e Zumbi, que lutaram por uma sociedade que respeitasse a diversidade cultural política e social do povo negro no Quilombo de Palmares, maior quilombo das américas em contingente populacional, e tempo de duração, que tem com data histórica o 20 de novembro. Dia que em 1695, o pensamento eurocêntrico e escravista dominante, destruíram com a maior e mais presente possibilidade de o Brasil ser um país que respeitasse a diversidade vigente. Período em que as mulheres tiveram papel fundamental, na luta por uma sociedade que respeitassem seus corpos e suas mentes, como o legado deixado por Dandara, Acotirene, Aqualtune, Tereza de Benguela, Luiza Mahin e tantas outras mulheres de resistência naquele período.
Do ponto de vista de participação das mulheres negras no contexto da sociedade atual, o Encontro Nacional de Mulheres Negra, nos dias 29 e 30 de abril de 2022, em Salvador-BA, sob o tema: Radicalizando o Imaginário Coletivo e Político de Esquerda”, nos dias 29 e 30 de abril de 2022, demarcou em seus debates afia força e a resistência presentes e afirmou que: “Sem paridade racial e de gênero não há democracia! Essa é a palavra de ordem que expressa a concepção de democracia participativa para nós mulheres negras cis, trans e travestis, no exercício do cargo de parlamentares, vereadoras, candidatas a cargos do legislativo ou do executivo, ou simplesmente mulheres negras que buscam o exercício pleno da cidadania”.
Estamos vivendo tempos de democracia atacada, combatida por aqueles que se não respeitam nossa Constituição, tampouco respeitam a diversidade racial e de gênero presente em nosso pais. Refletir, dialogar sobre a consciência negra e racismo, que mata, adoece e impede o acesso ao desenvolvimento do povo negro, presente em nossa sociedade, é um papel de toda esta sociedade, que se pensa e se quer desenvolvida. Vivemos em um país que construiu suas bases econômica com a venda e escravização de homens e mulheres negras durante séculos. Ainda que muitos ousem dizer, ser perda de tempo se apegar aos fatos passado, como promover as mudanças sociais, econômicas, culturais e politicas sem buscar entender quais bases se fortalecem os parâmetros de opressões e violências ainda tão presentes nos tempos atuais? Quais privilégios estão por trás destas resistências? Em quais mudanças acreditamos e nos colocamos enquanto trabalhadoras e trabalhadores a construir? Qual modelo de sociedade também como trabalhadoras e trabalhadores, que lutamos pelo respeito aos direitos acreditamos e lutamos? São indagações
É importante ressaltar a importância do crescimento da participação das mulheres negras no cenário político atual, pois apesar de 51,8% da população ser feminina, e deste total 52,1% se autodeclarar negra, a representação das mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional e são menos de 1% na Câmara Federal(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –PNAD, contínua do IBGE-2020) , e esta realidade vem sendo modificada com muita luta e representatividade, até mesmo àquelas que se pauta por um modelo político conservador, se beneficiam da luta progressista da esquerda .
Violência doméstica contra as mulheres negras cresce no país
Apesar da Lei Maria da Penha, as mulheres negras continuam sendo assassinadas sem a proteção do estado e sem a proteção do movimento de mulheres. Onde foi que a gente errou? Como nos últimos 10 anos foi possível que o assassinato de mulheres negras aumentasse 54%?”( http://www.fundosocialelas.org/falesemmedo/noticia/violencia-domestica-contra-as-mulheres-negras-cresce-no-pais/15913/)
Para Fabíola Sucasas Negrão Covas, promotora de Justiça do Ministério Público (MP) de São Paulo e titular da Promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica do MP-SP, a sensação de impunidade marca a história da própria construção da Lei Maria da Penha, e afirma:
“ O medo ainda é considerado o principal fator para as mulheres não romperem com as situações de violência. e além disso, a impunidade também é um fator de silenciamento das mulheres. então, de um lado as mulheres permanecem em silêncio em razão da crença na impunidade, e os homens vão estar mais encorajados a praticar a violência”, avalia Sucasas . (https://www.geledes.org.br/dependencia-economica-do-parceiro-e-medo-de-morrer-sao-principais-motivos-que-impedem-mulheres-de-deixar-relacoes-violentas-diz-ipec/)
A luta é dinâmica, sem finalizar reflexões e construções contra o racismo, damos continuidade a luta pelo fim da violência contra as mulheres, uma violência que se transversalisa , sendo as mulheres negras as mais atingidas por esta realidade, mas ainda assim, nos reconstruímos nesta selva, em que a democracia para nosso povo é palavra morta e somos aquelas que pensam e constroem a política no sentido micro e macro do cotidiano, criando estratégias e tecnologias de existência, diante da fome, miséria, desemprego e morte que se aprofundou no contexto de pandemia.
A violência contra a mulheres, racial e gênero e de livre orientação sexual, constitui-se em outro fator que merece nossa atenção como trabalhadoras e trabalhadores das mais diversas áreas do serviço público, uma vez que deste respeito e compromisso dependem a eficácia da prestação de serviços a sociedade.
As aprendizagens, compromisso e cuidados devem ser permanentes, os privilégios da branquitude tem que servir para colocar estes temas na ordem do dia de forma permanente, com fins de ultrapassar os limites do 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra, 21 de março- Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial, 13 de maio – Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo ou 25 de julho – Dia Nacional da Mulher Negra e Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, é preciso que estas lutas se incorpore no cotidiano da luta sindical por um novo modelo de sociedade.
Vivemos atualmente, principalmente no contexto pós eleitoral, com a vitória para Presidente de Luiz Inácio Lula da Silva, e mais que isto, esta vitória representou total desaprovação do período das travas vividas por nós brasileiras e observada pelo mundo inteiro, agora, marcado pelo crescimento da extrema direita, pelo desrespeito as urnas e ao sistema democrático, o ataque as instituições e o crescimento e manifestações de células neonazistas, demonstram que precisamos unificar forças no combate às desigualdades que fortaleçam a democracia, como uma realidade política em que todos os cidadãos e cidadãs possam vivenciar sem que o racismo os impeça ou mecanismos desestimulem, nossas representações. É sempre a luta que nos coloca nos locais que almejamos estar.
É nesta realidade que eu Vanda Pinedo, mulher negra de luta e resistência, professora, militante e de axé me constituo, e me somo a todas, todos e todes que contribuem para o reconhecimento de nossa luta, história, heróis, heroínas e contribuição na construção desta nação, e repudio aos que não respeitam a diversidade que vivemos, e se pautam pelo poder hegemônico e seguem matando, ameaçando, com tentativa de intimidação em locais públicos ou privados, aos/as que como eu disputam seu direito nesta sociedade, que beira a selvageria, de nela viverem com nossa cosmovisão africana, e nosso jeito de ser e estar no mundo.
Mulher Negra já nasci, professora me tornei, militância aprendi que é todo dia, e resistência é o que me alimenta para nunca desistir e seguir na construção da sociedade que acredito.
Se a esquerda promoveu reflexões e esperanças, deixadas para traz desde as mazelas da ditadura, com certeza é um aprendizado para não esquecer nosso potencial de luta. Mas ela tampouco sufocou ou rasgou a carta magna que rege a nação brasileira a Constituição Federal. Não podemos ficar inertes diante de praticas, gestos e atitudes com a utilização de símbolos nacionais, que apontam para o retorno da ditadura que a Constituição de 1988 enterrou, é a verdadeira destruição de um pais.
Deixo aqui reflexões pinceladas de dicas e resistência, diante do muito que temos que construir nesta sociedade corroída pelo ódio, racismo, violência e imposições de um sistema que não nos cabe.
Nossa perspectiva a igualdade é um valor que precisa ser ajustado quando a sociedade é fortemente desigual. E a liberdade só pode ser efetiva quando os desiguais se encontram em posição de igualdade para o pleno exercício da liberdade. (in Manifesto do ENCONTRO NACIONAL DE MULHERES NEGRAS, abril.2022.Salvador-BA)
Como diz Angela Davis, afinal de que igualdade estamos falando?
Eu não quero ser igual aos homens brancos ricos
*Vanda Gomes Pinedo, é militante do MNU/SC – Movimento Negro Unificado, Licenciada e Especialista e Ed.Física Escolar, Integrante do Fórum das Religiões de Matriz Africanas Florianópolis e Região, Professora da Educação Quilombola.