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O conselho universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realiza nesta terça-feira (17), às 14h, uma sessão decisiva sobre a retirada do nome de João David Ferreira Lima do campus central, em Florianópolis. Ex-reitor da UFSC entre 1961 e 1972, Ferreira Lima é apontado por documentos oficiais como colaborador do regime militar, tendo participado da delação e perseguição de estudantes, professores e técnicos durante a ditadura.

A possível retirada do nome do campus representa, para grande parte da comunidade acadêmica, um gesto simbólico e concreto de reparação histórica, alinhado aos princípios de verdade, memória e justiça. A proposta atende a uma das 12 recomendações do relatório da Comissão Memória e Verdade da UFSC (CMV/UFSC), que, em quatro anos de pesquisa, analisou mais de 1.500 documentos, realizou 21 depoimentos e produziu um documento de 421 páginas sobre o envolvimento da universidade com o regime militar. O relatório foi concluído em 2018.

Documentos obtidos pela comissão, incluindo cartas enviadas pelo então reitor ao Serviço Nacional de Informações (SNI), revelam que Ferreira Lima denunciava membros da comunidade acadêmica por suas posições políticas, além de ter intervindo em eleições do Diretório Central dos Estudantes (DCE) em 1969.

Entre os casos levantados, estão as perseguições a figuras como o professor Armen Mamigonian, o professor Henrique Stodieck, o ex-presidente da União Catarinense dos Estudantes (UCE), Rogério Queiroz, e os estudantes Gil Brás de Lima, Derlei Catarina de Luca e Marcos Cardoso Filho, entre outros.

Além da colaboração com os órgãos de repressão, o ex-reitor também defendia projetos alinhados ao modelo de ensino superior do regime, incluindo propostas de cobrança de mensalidades, captação de recursos por meio de jogos de azar e impostos sobre bebidas e cigarros, conforme registrado em documentos de sua autoria.

reitor ufsc

João David Ferreira Lima foi reitor da UFSC entre 1961 e 1972 – Foto: Acervo/UFSC/ND

Setores conservadores apoiam reitor

Apesar da concretude dos documentos — que incluem ofícios, cartas enviadas ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e registros do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) — a decisão tem enfrentado forte resistência. Nas últimas semanas, empresários ligados ao grupo Floripa Sustentável, políticos do Partido Liberal (PL) e do partido Novo e representantes de setores conservadores se mobilizaram em articulações públicas e privadas para barrar a votação.

Faltando uma hora para o início da última sessão, realizada na sexta-feira (13), um dossiê produzido pelo portal Notícias do Dia (ND) foi distribuído gratuitamente na universidade, em uma ação claramente coordenada. O jornal, que normalmente é vendido, circulou gratuitamente com uma edição especial defendendo a manutenção do nome do ex-reitor.

A pressão não ficou restrita aos bastidores. Durante as sessões anteriores, vereadores e deputados ligados ao PL estiveram presentes no Conselho, entoando palavras de ordem como “Volta Bolsonaro!” e atacando verbalmente conselheiros e estudantes. Também organizaram uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Florianópolis, da qual participaram membros da família Ferreira Lima, empresários e aliados políticos. A comunidade universitária não foi formalmente convidada, e teve seu pedido de manifestação ignorado.

Na última sessão, pouco antes do início das falas dos representantes estudantis, o conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) — que deveria ter perdido sua vaga por não comparecer às sessões há meses — reapareceu e apresentou um pedido de vista, interrompendo o processo. O reitor, ignorou a decisão anterior do próprio Conselho, que limitava novos pedidos de vista, e acatou o requerimento, adiando a decisão para esta terça-feira.

Resistência na UFSC

Para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC, a retirada do nome do ex-reitor não é apenas uma correção simbólica, mas representa uma afirmação de que a universidade pública, gratuita e socialmente referenciada deve se posicionar contra qualquer tipo de homenagem a figuras que colaboraram com projetos autoritários e elitistas.

“A mudança do nome não apaga a história, como querem fazer parecer os setores que hoje defendem a manutenção dessa homenagem. Ao contrário, reconhece o passado, dá visibilidade às histórias dos que foram perseguidos, presos e torturados por lutarem pela democracia e pela educação pública. É um recado claro de que não aceitamos que a universidade reverencie quem atuou contra seus próprios estudantes e professores, e que seguimos comprometidos com uma universidade inclusiva, popular e democrática”, afirma Isadora Miranda Dymow, coordenadora-geral do DCE.