Condsef/Fenadsef

Mônica Carneiro*

Recentemente, foi publicado um documento que pretende servir de base técnica e política para uma nova Reforma Administrativa no Brasil. A peça foi construída no âmbito do Grupo de Trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), e leva a assinatura de parlamentares como Zé Trovão, vice-líder do PL, de entidades empresariais como a Fecomércio-SP, FIESP, CNC e CEBRASSE, além de ONGs gerencialistas como a República.org, o Movimento Pessoas à Frente e o Ranking dos Políticos. O que essas instituições apresentam como um esforço “plural” e “transparente” de modernização do Estado brasileiro nada mais é do que a repetição requentada de uma velha cartilha privatista, disfarçada com termos como “eficiência”, “inovação” e “melhoria da gestão”.

Ao invés de propor um debate sério, ancorado na realidade brasileira e nas necessidades da maioria da população trabalhadora, o documento envereda por um caminho já conhecido: desmontar o papel social do Estado, precarizar as relações de trabalho no setor público, enfraquecer o funcionalismo e abrir as portas para a privatização dos serviços públicos. Trata-se de mais uma ofensiva amparada por dados questionáveis, inúmeros clichês, interpretações enviesadas e comparações desonestas com países imperialistas, numa tentativa de impor um modelo de Estado subordinado ao capital financeiro.

Um dos principais eixos do Caderno é o ataque à estabilidade no serviço público, com propostas que incluem sua limitação a “carreiras ameaçadas por perseguição política”, mecanismos de avaliação baseados em metas produtivistas e a criação de um sistema único de desempenho que, na prática, elimina a autonomia dos servidores e torna seus vínculos instáveis. Não se trata de aperfeiçoar o serviço público, mas de esvaziá-lo, tornando-o funcional às lógicas do mercado. Essa proposta de “meritocracia” ignora completamente o caráter constitucional do serviço público como garantidor de direitos universais, e não como prestador de “serviços” a “clientes”, garantidor de “entregas”. 

A obsessão pela “eficiência” é acompanhada de uma tentativa grosseira de igualar o setor público ao privado, como se os dois obedecessem às mesmas finalidades. O documento propõe desde a redução dos salários iniciais nas carreiras públicas até planos de progressão mais lentos, além da possibilidade de cortes salariais temporários em contextos de crise fiscal. Como se isso fosse aceitável em um país com enormes desigualdades sociais. Essa lógica de ajuste permanente é, na verdade, a marca de um projeto de austeridade regressiva, que mira os servidores da base enquanto silencia diante dos privilégios escandalosos do topo do Judiciário e do Legislativo - os únicos pontos em que o diagnóstico parece acertar, mas que servem apenas como pretexto para atacar o conjunto do funcionalismo.

O Caderno ainda defende a revisão de carreiras “obsoletas”, sem jamais definir critérios objetivos para isso, reforçando a ideia de que há servidores “modernos” e “atrasados”, como se o Estado devesse funcionar segundo as exigências do mercado. Também defende a flexibilização das formas de ingresso no serviço público, sugerindo normas nacionais para a contratação temporária, o que abriria uma ampla brecha para a precarização do vínculo, a perda da estabilidade e a fragilização do interesse público.

Além disso, o texto trata com alarmismo a presença do Estado na economia, defendendo mais privatizações sob o argumento de que o Brasil ainda possui muitas estatais. Aqui ressurge a velha fantasia dos anos 1990, que aposta na venda do patrimônio público como solução mágica para todos os problemas, desconsiderando os danos irreversíveis que esse tipo de política causou à soberania nacional e à oferta de serviços à população.

As comparações internacionais que sustentam as propostas do Caderno são superficiais e inverificáveis. Ignora-se que os países com os quais se tenta forçar paralelos possuem sistemas de bem-estar social robustos, alta carga tributária sobre os mais ricos e servidores públicos valorizados. O documento também não apresenta indicadores objetivos de suas cansativas métricas de desempenho, preferindo repetir jargões sem respaldo técnico, como se a simples enunciação da “ineficiência” do Estado fosse suficiente para justificar uma reforma profunda e estrutural. Sob a aparência de “neutralidade técnica”, os autores buscam transformar toda atividade humana em prestação de contas e desempenho mensurável, impondo uma normatividade autoritária alienada de um projeto político concreto. 

A apresentação do Caderno, além de tecnicamente frágil e mal estruturada, revela a falta de um projeto público de Estado. O que existe ali é o retrato do pensamento empresarial sobre a administração pública: um Estado mínimo, elitizado, composto por uma alta burocracia profissional sem letramento político, submetido ao mercado e aos interesses privados, com servidores tratados como custos e não como agentes de transformação social. 

As menções à ampliação de políticas públicas, ao fortalecimento da capacidade de planejamento estatal, ou ao enfrentamento das desigualdades estruturais do país são meramente retóricas.

Diante desse cenário, nos resta reafirmar nossa defesa incondicional de um serviço público forte, estável, acessível e universal. Não se trata de negar a necessidade de aperfeiçoar o funcionamento da máquina pública, mas de lastrear esse projeto nas decisões políticas expressas pela população trabalhadora nas urnas, em evidências reais, na ampla valorização dos servidores e no compromisso de ampliar, e não restringir, os direitos da classe trabalhadora.

O Brasil precisa de uma reforma que enfrente os verdadeiros privilégios, ancorados em uma política fiscal e monetária que drena os recursos públicos para enriquecer rentistas e banqueiros. Mas essa não é, nem de longe, a proposta apresentada pelo Caderno de Estudos. O que se oferece à sociedade é uma tentativa de retrocesso revestida de tecnocracia, subordinada à lógica do capital, que tenta destruir o Estado por dentro, em nome de uma suposta “modernização” que só interessa ao andar de cima.

E contra isso, nossa resposta seguirá firme: o serviço público é do povo, não dos mercados. Eles não desistem de acabar com os serviços públicos. Nós não desistimos de lutar!

* Mônica Carneiro é jornalista, diretora de Comunicação da Condsef/Fenadsef e servidora da Funai