Edison Cardoni, Mônica Carneiro e Oton Pereira Neves

Vivemos um momento de profunda disputa sobre o sentido da reforma do Estado brasileiro. Não se trata de um debate técnico, neutro ou burocrático, como querem fazer parecer os porta-vozes da racionalidade gerencial e do tecnocratismo liberal.

A forma de organização do Estado, suas carreiras, suas funções e sua estrutura administrativa está enraizada nas contradições de classe que atravessam a sociedade. Não reconhecer esse conflito, ou pior, fingir que ele não existe, é entregar de bandeja a direção desse processo às frações da burguesia que hoje hegemonizam a agenda estatal sob a lógica da austeridade, da competição e da fragmentação.

E esse contexto é decisivo para compreender o sentido da organização sindical. Um sindicato classista não é um “prestador de serviços”, nem uma “associação de carreiras”. É uma ferramenta política da classe trabalhadora para enfrentar o projeto de Estado mínimo, desregulamentado, subordinado às exigências do capital financeiro e das corporações que capturam decisões orçamentárias por meio das emendas, do arcabouço fiscal,das isenções tributárias e dapolítica permanente de compressão dos investimentos sociais.

Por isso mesmo, o engodo da propaganda cotidiana empurrada à população trabalhadora, em que se incluem os servidores públicos, busca naturalizar o vocabulário da gestão empresarial, como se “modernização”, “performance”, “inovação”, “entrega”, “produtividade” e “eficiência” fossem expressões neutras, técnicas, inevitáveis.

Como nos alerta Gaulejac em Gestão como Doença Social – Ideologia, poder gerencialista e fragmentação (2007), esse léxico não é uma ferramenta burocrática inocente, mas uma tecnologia de poder forjada na relação entre capital e trabalho para promover a adesão passiva, dissolver a solidariedade e legitimar uma abordagem instrumental e contábil das relações humanas. Sob o manto da racionalidade, a gestão gerencialista reforça a guerra econômica, a divisão entre aqueles que deveriam estar unidos e reproduz desigualdade, precarização e insegurança.

Dardot e Laval, em A Nova Razão do Mundo (2016), demonstram que o neoliberalismo opera justamente como uma racionalidade totalizante, que molda o comportamento, reconfigura o Estado e transforma o indivíduo em empresário de si mesmo. A administração pública, sobretudo a partir dos anos 1990, foi orientada a absorver esses valores empresariais, esvaziando a noção de sujeito político e substituindo-a pela lógica da concorrência. Não por acaso, vemos hoje setores do próprio funcionalismo aderindo ao discurso de competição entre carreiras, como se a distinção individual fosse o caminho para escapar do arrocho fiscal imposto a todos.

Essa racionalidade tem gerado ilusões perigosas, a começar pela ideia de que alguns serão “escolhidos”, de que certas carreiras são “superiores”, de que o problema do serviço público são os trabalhadores de nível médio, ou de que só determinadas funções mereceriam recomposição salarial. Esse discurso de distinção e privilégio interno não apenas desmobiliza a luta coletiva, como reproduz dentro do Estado o mesmo mecanismo que o capital utiliza para dividir os trabalhadores no setor privado, ou seja, a competição permanente, a guerra de todos contra todos, o esvaziamento da solidariedade de classe e a naturalização de desigualdades.

É sob essa lógica que têm surgido discursos como os que estão desabando sobre muitos novos servidores filiados ao Sindsep-DF. Afirmam que sindicatos classistas “rifam” o nível superior, que carreiras de NS devem abandonar o conjunto da classe e construir entidades próprias, que sindicatos que defendem trabalhadores mais vulneráveis seriam “pelegos”, “obsoletos”, “desleais” ou “servis”. 

Pior inda! Há setores que defendem abertamente que o orçamento disponível, já esmagado pela política de austeridade, deve ser disputado entre carreiras, como se a luta fosse contra outros trabalhadores, e não contra a captura do orçamento federal pelas emendas, pela política monetária, pelo arcabouço fiscal, pelos subsídios empresariais e pelo projeto de Reforma Administrativa em curso.

Essa lógica é exatamente o contrário do sindicalismo classista. E representa o auge do colaboracionismo corporativista representado por um tipo de associativismo que tende ao patrimonialismo, reforçando hierarquias internas, construindo muros entre trabalhadores e abrindo mão da luta estratégica em defesa do conjunto do serviço público e que se choca, inevitavelmente, contra os interesses do capital, cujos contornos, por vezes, é difícil distinguir de máfias.

Se dúvida houver a esse respeito bastaria olhar para as sucessivas tentativas de dificultar o trabalho da Polícia Federal para investigar organizações criminosas e, ainda, o processo de fraudes que levaram à liquidação do Banco Master pelo Banco Central. "O que temos a ver com isso"? Pode perguntar alguém que, ao fazê-lo, diz muito sobre si mesmo.

A atuaçãorecente da Condsef e do Sindsep-DF demonstra porque o sindicalismo geral é essencial. A primeira carreira estruturada por este governo foi a da Funai, fruto de luta histórica da categoria com protagonismo das entidades gerais. Essa conquista foi base para aequiparação da tabela do MEC, e agora para a carreira da Cultura. O governo pretendia criar novas carreiras transversais excluindo servidores antigos, vistos como “obsoletos”. A única entidade que enfrentou essa lógica, defendendo regra de transição, valorização dos atuais servidores e solidariedade entre gerações, foi a Condsef, com seus sindicatos filiados, mobilizando abertamente, quando necessário, contra a política do MGI. Ao contrário da ação patrimonialista de "costurar por dentro".

Para defender todos e cada um dos cargos de nível superior, a Condsef não precisou abandonar aposentados e pensionistas - o que seria vergonhoso ; não precisou abandonar servidores de nível médio e auxiliar. E vice-versa!

E justamente por buscar sempre a unidade e a mobilização do conjunto da categoria em defesa de seus interesses e não a disputa fratricida em que uns se consideram mais merecedores que outros que a Condsef e o Sindsep-DF puderam se jogar com toda força (enquanto outros hesitavam) na defesa das pautas dos novos servidores: reenquadramento, convocação de cadastros de reserva, direitos de gestantes, lactantes, puérperas e pessoas com deficiência, além da luta contra as contratações temporárias.

Um sindicato classista não diz a um servidor: “você é de nível superior, lute só por si”; nem diz “vocês são de nível médio e auxiliar, os de nível superior estão se lixando para você”. Diz: “somos todos trabalhadores; se o governo impõe competição entre nós, é porque quer nos derrotar”. O colaboracionismo corporativo não tem coragem de enfrentar o capital e prefere enfrentar o colega da sala ao lado.

Por defendermos um Estado que represente a diversidade do povo brasileiro, que garanta estabilidade, concursos para todos os níveis de escolaridade, condições dignas de trabalho e políticas públicas universais, lutamos pela horizontalidade das lutas e pela construção de um sindicato geral, amplo e combativo. É nessa perspectiva que denunciamos o sectarismo, a construção artificial de “elites” dentro do serviço público e a ilusão meritocrática que tantos tentam vender aos novos servidores.

O Sindsep-DF, como a Condsef, defende a liberdade e autonomia sindical, a unidade e a democracia e não tem nenhum fetiche em relação às formas de organização. Por isso, convive e busca colaborar sem problemas com todas as inúmeras estruturas criadas pelos servidores, sempre construindo sua organização como sindicato geral, baseado em seções sindicais por local de trabalho e/ou por carreira.

A resistência ao desmonte do serviço público depende da nossa capacidade de fortalecer a solidariedade de classe e entre gerações. Depende da recusa categórica da competição fratricida e da afirmação de que nenhum trabalhador será deixado para trás.

Neste momento, tudo isso é ainda mais verdadeiro. A mais ampla unidade é mais necessária do que nunca pois se a PEC 38/2025 avançar nem haverá sentido em falar em carreiras ou níveis de escolaridade porque todas e todos serão levados de roldão por essa reforma administrativa.

O caminho do sindicalismo classista, democrático, unitário, flexível para organizar as lutas particulares e gerais, mas inflexível na defesa de toda a categoria é o caminho que convidamos os novos servidores a trilhar conosco. Convidamos vocês a se filiarem ao Sindsep-DF e, estejam onde estiverem, participar da luta pela construção de nossas seções sindicais, enfrentando com serenidade e firmeza as pressões antidemocráticas que pretendam impor outras formas de organização.