CUT

O governo federal diante da repercussão nas redes sociais do vídeo feito pelo influenciador Felca, que denunciou a adultização e a sexualização precoce de crianças em conteúdos publicados nas redes sociais, decidiu acelerar a entrega ao Congresso de um projeto de regulação das redes sociais.

O texto final mobilizou diferentes ministérios e órgãos e será uma espécie de Marco Legal de Proteção do Usuário de Serviços Digitais — proposta que se aproxima de um Código de Defesa do Consumidor adaptado ao universo online.

O projeto prevê a responsabilização de plataformas e provedores de internet por conteúdos ilícitos e práticas nocivas, estabelecendo obrigações claras para empresas que operam no Brasil. A espinha dorsal do texto é a criação de mecanismos para proteger usuários e tornar mais transparente a atuação das grandes empresas de tecnologia. Ele será apresentado ao congresso na próxima semana.

“É fundamental que o governo aproveite o momento de mobilização social gerado pelas denúncias de Felca para avançar na proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. O Marco Legal de Proteção do Usuário de Serviços Digitais representa um passo importante para identificar e responsabilizar as plataformas e tornar mais transparente a atuação das grandes empresas de tecnologia, garantindo direitos e segurança para todos os usuários”, afirmou Maria Faria, secretária de comunicação da CUT nacional.

Falam uma coisa e fazem outra

A Bancada da direita tem se colocado contra medidas de regulação das redes sociais, alegando supostos riscos à liberdade de expressão. No entanto, ignoram a contradição evidente: nos próprios círculos conservadores e ultraconservadores, adotam termos carregados de conotações sexuais e moralistas, cuidadosamente manipulados para avançar agendas políticas e ideológicas. Expressões ambíguas ou deliberadamente ressignificadas — como “ideologia de gênero”, “kit gay” e “cristofobia” — funcionam como instrumentos de medo, estigmatização e controle social, enquanto se apresentam como defensores da liberdade. Essa seletividade revela que a defesa da expressão, para esses grupos, é menos sobre direitos universais e mais sobre legitimar discursos que reforçam hierarquias, censuram minorias e perpetuam preconceitos enraizados na sociedade.

Quem não lembra do então presidente Jair Bolsonaro que declarou que “pintou um clima” ao ver meninas venezuelanas de 14 e 15 anos, sugerindo que estariam "arrumadas para ganhar a vida", insinuando exploração sexual.

O Caso Felca

Em 6 de agosto de 2025, o influenciador Felca publicou o vídeo “Adultização”, denunciando a sexualização precoce, pedofilia e exploração de menores em plataformas digitais. Assunto que ele vinha investigando e pesquisando há anos. Entre os citados estavam Hytalo Santos, investigado pelo Ministério Público da Paraíba, Kamylla Maria Silva e o canal Bel Para Meninas.

O conteúdo viralizou rapidamente, alcançando entre 20 e 36 milhões de visualizações no YouTube (66 milhões considerando republicações), resultando na remoção de perfis no Instagram, desmonetização de vídeos e proibição judicial de contato de Hytalo com menores.

Felca passou a receber ameaças e adotou medidas de segurança, além de mover ação judicial contra 233 perfis no X por difamação, oferecendo alternativas como retratação e doação a instituições de apoio a vítimas.

A denúncia teve grande repercussão social e política: recebeu apoio de artistas e políticos, e motivou ao menos 13 projetos legislativos, conhecidos como “Lei Felca”, para coibir a adultização e pornografia infantil online. O alcance digital elevou seus seguidores de 20 para 30 milhões, dominando Trending Topics e picos de busca no Google.

O influenciador paraibano Hytalo Santos e o marido, Israel Nata Vicente, foram presos  preventivamente nesta sexta-feira (15) em uma casa em Carapicuíba, na Grande São Paulo.

Números de crimes na Intenet

Um levantamento do InHope, associação internacional que reúne 55 hotlines — canais de denúncia de crimes na internet — aponta a SaferNet como o quinto serviço que mais contribuiu para a detecção global de páginas com material de abuso sexual de crianças (CSAM) em 2024.

Segundo o relatório, o país compartilhou com os canais internacionais 48.874 páginas no ano passado. Destas, 10.823 derivaram de denúncias feitas por usuários da internet à própria SaferNet, enquanto 38.051 páginas foram identificadas por meio de ferramentas de detecção automatizada e busca proativa, dentro do projeto Discover. Esses conteúdos foram encaminhados a hotlines e autoridades estrangeiras quando as vítimas eram de outros países ou os crimes relatados não ocorreram no território brasileiro.

Entre 2022 e 2024, a participação da SaferNet no esforço internacional cresceu de forma expressiva: o serviço subiu da 27ª para a 5ª posição no ranking de cooperação global. Em 2024, apenas os hotlines da Bulgária, Reino Unido, Holanda e Alemanha superaram o Brasil no volume de compartilhamento de páginas com conteúdo de abuso infantil.

Em 2024, os 55 hotlines que atuam em 51 países identificaram 1.155 páginas hospedadas no Brasil, de todas as páginas de abuso infantil detectadas no mundo. Cabe lembrar que essas páginas são visualizadas por milhares de pessoas diariamente. Elas foram analisadas pelo Núcleo Técnico de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal e remetidas para investigação.

Como denunciar

A mobilização em torno do caso expôs, mais uma vez, a urgência de regulamentar o ambiente digital e enfrentar crimes que exploram vulnerabilidades, sobretudo de crianças e adolescentes. Regras claras, capazes de proteger usuários e responsabilizar quem lucra com práticas nocivas se faz indispensável à manutenção da democracia. Assim, seguem alguns canais oficiais para denunciar crimes cometidos na internet, especialmente casos de abuso infantil, exploração sexual, ameaças e outros ilícitos virtuais:

Disque 100 – Central de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Recebe denúncias de violações contra crianças, adolescentes e outros grupos vulneráveis, inclusive crimes online. Funciona 24h e é gratuito.

SaferNet Brasil – Plataforma especializada em denúncias anônimas de crimes na internet, como pornografia infantil, racismo, apologia e incitação a crimes contra a vida. Para entrar no site clique aqui.

Polícia Federal 181  – Recebe denúncias diretamente pelo site ou nas delegacias, principalmente para crimes cibernéticos de maior gravidade e alcance internacional.

Delegacias Especializadas de Crimes Cibernéticos – Presentes em diversos Estados, recebem denúncias presenciais ou por canais online.


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