Mônica Carneiro*, Condsef/Fenadsef
Na última semana, a Coalizão de Frentes Parlamentares do Setor Produtivo realizou uma coletiva de imprensa para atacar o recente decreto que aumenta as alíquotas do IOF. Parlamentares ligados ao agronegócio, ao setor financeiro e ao chamado “empreendedorismo” protestaram em uníssono contra o que chamam de “sanha arrecadatória” do governo, e propuseram um Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos da medida.
A história é conhecida: dizem que a medida é injusta, que afeta “quem gera empregos”, que foi tomada sem diálogo e que, no fim das contas, vai fazer “os mais pobres pagarem a conta”.
A verdade, contudo, é que o Brasil tem um dos sistemas tributários mais injustos do planeta. Aqui, trabalhador assalariado paga Imposto de Renda direto na fonte, enquanto bilionários seguem isentos de impostos sobre lucros e dividendos. Grandes fortunas, heranças milionárias, fundos exclusivos e ganhos com especulação seguem blindados. E toda vez que se tenta tocar nesses privilégios, a elite grita como se fosse um crime. Foi assim com o IOF, com os fundos exclusivos, com a taxação dos juros sobre capital próprio e com as fintechs.
Essa disputa, claramente, não é apenas um debate “técnico” sobre arrecadação. É uma disputa de projeto de país. Ou colocamos os mais ricos para contribuir com o financiamento do Estado e das políticas públicas, ou vamos seguir empurrando a conta para os trabalhadores, os aposentados, os servidores da base e a população mais pobre.
Após reunião entre os presidentes da Câmara e do Senado e o ministro da Fazenda, o governo anunciou que deve apresentar, nos próximos dias, um novo pacote com medidas para “recalibrar o decreto do IOF, reduzir as alíquotas previstas, e trazer medidas compensatórias para manter as obrigações fiscais”. O impacto fiscal deve ser reduzido a um terço do previsto originalmente e entre as medidas compensatórias figuram previsões de cortes em isenções e ajustes em tributações regressivas. A nova proposta também inclui aumento da tributação sobre apostas esportivas, em uma tentativa de preservar parte da arrecadação prevista e evitar a derrubada completa do decreto pelo Legislativo.
Ao mesmo tempo, o líder reforçou a intenção do governo em avançar com uma reforma administrativa, prometendo enfrentar os supersalários e os penduricalhos do topo do funcionalismo, principalmente no Judiciário, Legislativo e nas Forças Armadas. Mas aqui registramos uma profunda desconfiança. Sempre que esse debate ressurge, quem acaba sendo atacado são os servidores da base. O discurso do “combate aos privilégios” é usado para atacar a estabilidade, desmontar carreiras, flexibilizar as formas de contratação e enfraquecer os serviços públicos.
A elite brasileira tem sido historicamente tratada como se fosse credora da nação. A política de acomodação ilimitada, feita para agradar o centrão, o mercado e os setores que sabotaram os direitos sociais nos últimos anos, cobra um preço alto. Quando o governo abre mão de disputar o rumo do país para tentar sobreviver no Congresso a qualquer custo, quem paga a conta é o povo.
O risco é claro: trocar o projeto político eleito pelo voto popular por uma administração tutelada pelos interesses da elite econômica.
Apesar dos recuos, a reação foi imediata e previsível. Na avaliação do novo manifesto divulgado ontem (09), o pacote alternativo proposto pelo governo também compromete “a capacidade de investimento, a geração de empregos e a competitividade do país”. Para os parlamentares ligados ao agronegócio, ao setor financeiro e ao chamado “empreendedorismo”, a solução é uma só: corte drástico nos gastos públicos e uma reforma administrativa “urgente”, com foco na “eficiência” e na “desburocratização”, palavras de ordem do capital financeiro que, na prática, significam precarização do trabalho travestida de modernização.
É possível e necessário reorganizar o sistema tributário brasileiro com justiça. Isso significa tributar o capital, os grandes patrimônios e as altas rendas, e não o consumo e os salários. Significa valorizar os servidores públicos em todos os níveis e garantir um Estado que funcione para garantir os direitos da população trabalhadora do país.
* Mônica Carneiro é jornalista, diretora de Comunicação da Condsef/Fenadsef e servidora da Funai